segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Quem sou eu? O ideal manchado e borrado, mas o ideal que ainda me move.

Tem vezes que, absolutamente do nada e num lampejo, nos damos conta de onde surgiram certos ideais que temos. Porque somos assim, porque acreditamos em certas coisas e até o motivo pelo qual nos desapontarmos com os movimentos massivos e sociais que a vida faz. 

Com o passar dos anos, com a enxurrada de informações tortas que recebemos, com a correria que assola o dia-a-dia e nada fazemos para mudar ou desacelerar, o distanciamento dessa realidade é fugaz e meio que inevitável. O fato é que se você se deixa levar, é tragado por essa corrente, que não tem preconceitos: leva a todos, não mede idade, sexo, tampouco classe social. A música é um elemento vital na minha vida. Desde que me recordo dos primeiros dias, estava lá eu acompanhado de uma vitrola e toca-fitas, me divertindo com os discos e as fitas, que eram ainda mais legais, pois podiam ser editadas a qualquer momento. 

Meus três anos de idade foram o início de memórias gerais, inclusive da parte musical, que é tão importante. Hoje, gosto de tudo, apesar de o Rock e suas derivações predominarem sobre os demais gêneros. Mas, nem sempre foi assim. Iniciei com os discos que os meus pais tinham em casa e, principalmente aqueles que minha tia possuía, na casa dos meus avós paternos. Apreciadora de música de diversos gêneros, entrar naquela sala com ela para escolher qual disco ia colocar pra tocar. Estranho isso, não? Hoje, tudo é tão fácil, mas ao mesmo tempo, tão efêmero e sem emoção. O acesso irrestrito cria um vazio imenso na alma, como se não houvesse mais nada a ser alcançado - pausa para divagação.

Existe algo na minha raiz musical que permanece inalterado até hoje. A música nacional e o violão. Apesar de eu ter iniciado imediatamente na guitarra quando resolvi ter aulas, foi o violão que me apresentou os primeiros acordes. E o primeiro músico que me ensinou o que vinha a ser isso foi o Toquinho. O Toquinho permeou esse meio musical da minha vida, desde as parcerias com o Vinícius até sua carreira solo. O primeiro disco com o qual tive contato é do seu voo solo, justamente um disco de 1984, ano em que nasci. Lembro-me perfeitamente da capa, da contracapa, a disposição das músicas nos lados A e B e do envelope que protegia o disco, onde constavam as letras de todas as composições... É como se o disco estivesse aqui! 

Dentro todos os sons, uma em especial. Ela abre o disco, no lado A, e foi a que abriu a minha vida sonora. Sonho Dourado é o nome dela – nome sugestivo demais, até parece combinação de programa ruim de Domingo. Além disso, chego à conclusão hoje de que foi mais do que isso: ela representa no âmago, mesmo com uma letra inocente e aparentemente pueril, aquilo que até hoje, quase 30 anos mais tarde, eu espero das pessoas, da vida, do futuro... Em versos, estrofe, nos arranjos, no tom da voz, nos coros, é aquilo que eu sou. Sempre fui e dificilmente alguém irá mudar, mesmo que os anos passem duros e cruéis, com os imprevistos que havemos de enfrentar. Talvez nem o Toquinho saiba, mas ele ilustrou os ideais dele e os de outra pessoa que mal tinha idade para se dar conta disso. Agradeço por isso! Sempre me emociono, por isso não escuto sempre, para que quem sabe o mesmo sabor de 30 anos ainda possa se repetir a cada vez que aperto o play – porque as agulhas de vitrola andam em falta. E de fato ele está sempre lá. E é provável que sempre esteja... 


Hoje sonhei
Que chegava de longínquos lugares
Gente alegre do trabalho, dos bares,
Numa festa como nunca se viu.
Felicidade,
A cidade era um imenso cordão,
Quando um demo dos infernos surgiu
E tentou parar, mas não,
Não conseguiu,
A marcha continuou.
Quem quis cantar, cantou.
Quem não brincava há anos, brincou.
As pessoas se abraçavam,
Se enamoravam
E cada um era um rei,
O amor era a lei.
Como um aprendiz,
Eu fui feliz.

Hoje sonhei
Que a terra de repente se abria,
Gente má e prepotente engolia
Numa fúria como nunca se viu.
Tanta alegria
Coloria as ruas e a multidão,
Quando um espírito maligno surgiu
E tentou parar, mas não,
Não conseguiu.
A marcha continuou,
Quem quis dançar, dançou,
Quem não brincava há anos, brincou.
E unidos nessa dança,
De confiança e esperança no ar,
Sem medos no olhar,
Livres e iguais
Foram seguindo em paz.